sexta-feira, outubro 05, 2007

O artigo que segue foi escrito para o número de 40º aniversário do semanário Trevim (da Lousã). Não obstante extenso, arrisca-se a sua publicação.

Precisamos de futuro
Texto: José Oliveira

Em quatro décadas muda muita coisa, no mundo da comunicação.
Na altura em que nasce o Trevim, a Televisão portuguesa é uma criança de dez anos, um só canal a preto e branco que encerra a emissão antes da meia-noite e tem só três anos de experiência de utilização de imagens gravadas em vídeo.
O conceito de novela diária é exclusivo da rádio e falta ainda uma década para que a “Gabriela” chegue aos ecrãs domésticos, adaptada pela Globo para TV a partir de um romance de Jorge Amado.
O Telejornal é tão cinzento nas palavras como na imagem e culmina com gravações de jovens que, vestindo camuflado e abraçando a G3, cumprimentam os pais e namoradas a partir dos cenários da guerra colonial terminando quase invariavelmente com esta frase: “Adeus, até ao meu regresso”. Mas chega a acontecer que, por atraso ou descoordenação, a gravação é transmitida depois do seu funeral.
O Marcelo que dentro em pouco passará a comentar na TV as diatribes da “política” num programa chamado “Conversas em Família” chama-se Caetano, é primeiro-Ministro, descende da Serra da Lousã e é padrinho do actual Marcelo-comentador.
A canção nacional enaltece as virtualidades da pobreza, que faz rimar com pão e vinho sobre a mesa. Em contraponto, praticamente sem acesso à rádio ou à televisão cant
am Zeca Afonso, Adriano, Luís Cília, Manuel Freire, José Mário Branco, Tordo, Paulo de Carvalho.
O Diário de Notícias e a Época escrevem o que o Estado determina, O Século divulga o que a censura permite, o Diário de Lisboa e o República vão comunicando com o leitor em linguagem quase cifrada. No Diário Popular, Francisco Pinto Balsemão (sob os auspícios de um tio, principal accionista) dá os seus primeiros passos num jornalismo de eficácia moderada, lado a lado com as belíssimas e também cifradas reportagens de Baptista Bastos.
Ainda não há revistas cor-de-rosa, e as de cores-outras pouco mais são do que ensaios de policromia em offset.
Telemóveis ou Internet ainda nem se adivinham, as mensagens são cartas que vão pela mão do carteiro, começando por desejar ao outro “que goze de boa saúde, que nós ficamos bem, felizmente” e terminando subscritas “com elevada consideração e estima”, preceitos de aparente felicidade e obrigatória disciplina que o regime fomenta.
Ir a Lisboa é uma aventura que pode custar a vida a um frango da capoeira, condenado a farnel.

Alguns sucumbiram

Jornal local é quase sempre uma folha paroquial, que informa pouco mais do que os horários da catequese e a lista de donativos para as obras da igreja; as “Conversas à Fogueira” ou “à sombra do Castanheiro” não são crónicas do jornal da paróquia, são do Amigo do Povo, que contudo se vende na sacristia e é editado pela diocese, com cabeçalho impresso a partir de gravura talhada em madeira pelo monsenhor Nunes Pereira, serrano de Fajão, gravura que faz lembrar as letras que titulam O Primeiro de Janeiro.
Quando o Trevim nasce, claramente em corajosa contracorrente, não tem mais do que dois ou três jornais de âmbito regional ou local que honradamente possa encarar como irmãos de luta. O Jornal do Fundão é o mais velho, contando então 21 anos e tendo sofrido uma suspensão de seis meses em 1965. O Notícias da Amadora tem mais nove anos do que o semanário lousanense e o Comércio do Funchal surge nove meses antes do que o Trevim, com Vicente Jorge Silva a capitanear a equipa. Devido à corajosa força crítica dos seus conteúdos, o Comércio do Funchal chega a atingir 14 e 15 mil exemplares de tiragem, dos quais só um milhar fica na ilha. Os restantes são assinados por portugueses do continente e do resto do mundo. Porque os tempos exigem militância e solidariedade.
Presentemente, o Jornal do Fundão é detido maioritariamente por um dos mais fortes grupos de média portugueses, enfileirando com o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, 24 horas, TSF, etc. O Comércio do Funchal encerrou há bastantes anos e o Notícias da Amadora deixou de imprimir-se em Dezembro de 2006.

Tempo de competição

Em quatro décadas mudou muita coisa, no mundo da comunicação.
As notícias avassalam-nos agora mediante uma infinidade de canais de TV, rádio, Internet, telemóvel, jornais gratuitos. O próprio Público que Vicente Jorge Silva veio fundar, é oferecido gratuitamente desde há cerca de um mês nos hipermercados do grupo a que pertence.
Não raro, a notícia do fundo da nossa rua demora mais a chegar ao semanário local do que à redacção do telejornal (e dali ao nosso televisor, pode ser uma questão de minutos). Porque hoje, nestes tempos de concorrência desenfreada (e cega…) nada se faz eficazmente sem um elevado profissionalismo. Editar um jornal, mesmo local, como é o caso do Trevim, implica assumir a consciência da necessidade de competir. É preciso que o jornalista, licenciado ou não, saiba escrever de modo conciso e claro, seja culto e tenha imaginação. Deve estar o mais possível identificado com o meio em que se insere, saber cultivar as fontes e ter liberdade para isso, saber organizar graficamente as matérias repartindo-as em caixas de modo a tornar o aspecto esteticamente apetecível ao mesmo tempo que possibilita que o leitor leia toda a matéria ou só parte dela, consoante o seu interesse ou tempo disponível. E o jornalista deve ser estimulado para tudo isto, tendo em conta que o profissional da imprensa local necessita de ser mais abnegado e eclético do que os colegas da imprensa de âmbito nacional.
Ao jornalista da imprensa local, não basta ser eficaz a escrever. Ele tem de ser fotógrafo, secretária da Redacção, gráfico. Tem de possuir a percepção de que não pode “despejar” uma página inteira de texto, com ilustração insignificante ou inexistente, sob pena de perder para essa página todos os leitores ou quase.
Nos corredores do jornalismo contemporâneo, diz-se que nas redacções se vive, hoje em dia, sob a “ditadura dos gráficos”. E é um tanto verdade, queiramos ou não. Se a forma não é convidativa, o conteúdo não terá leitores. Não basta publicar, é preciso fazer ler. Isto não quer dizer que se deva condescender, significa que se deve usar de estratégia.

Autosuficiência e profissionalismo

O tempo da subsidiodependência passou e já não volta. Agora, cada jornal tem de conquistar mais leitores, mais publicidade, administrar melhor as despesas. Deixou de ser sustentável que uma equipa profissional (redacção e restantes serviços) seja administrada amadoristicamente, do mesmo modo que não faz sentido interpor a actividade de conselhos editoriais ou similares igualmente amadores a condicionarem o trabalho de profissionais.
O espaço de um jornal local é precioso, designadamente porque não lhe sobram as páginas. Por isso, deve resistir à proliferação de colaborações que nada tenham de local, ainda mais quando essas colaborações são publicadas em simultâneo em vários jornais da região.
Um jornal, até por definição, é um veículo de tratamento da actualidade. Deve, portanto, ser parcimonioso na inclusão de colaborações que tenham a característica de memórias históricas. Mais ganhará se fizer passar essas informações quando o contexto de peças principais o justificar.

Convivência democrática

Um periódico local deve ser uma voz crítica, identificado com o leitor, independente e plural, mas nunca o jornal ou a sua administração deverão tentar actuar como forças de bloqueio, porque isso é exactamente o contrário da sua função. Em democracia, quem ganha umas eleições adquire o direito ao respeito de todos. E também adquire a obrigação de sujeição à crítica, que tem de ser séria e consequente. Em contracorrente, mas não gratuitamente bloqueadora, demolidora por princípio. O homem moderno obriga-se a isto: criticar quando for caso disso, mas conviver civilizadamente com o criticado. E os jornais (todos eles, incluindo os locais) têm de fomentar esta modernidade; porque nós precisamos de futuro.

Sem comentários: