quinta-feira, junho 22, 2006

Herói está cinquentão
AMBRÓS, PAI DO
.
CAPITÃO TROVÃO
por J. M. Varona “Ché”




Cumpriram-se, a 14 de Maio, os 50 anos da publicação (em Espanha) da primeira aventura do Capitão Trovão, como ficou conhecido em Portugal El Capitán Trueno, publicado em língua portuguesa a partir de 1929.
Trata-se de uma das mais conhecidas e mais apreciadas personagens de banda desenhada, que teve como pais Víctor Mora como autor literário e o valenciano Miguel Ambrosio Zaragoza (mais conhecido por Ambrós) como criador artístico.

Sobre a vida do Capitão Trovão têm corrido rios de tinta, especialmente nesta altura em que, a peropósito do seu cinquentenário, têm ocorrido homenagens em sua honra, a mais recente das quais ocorreu em Barcelona no passado dia 23 de Março (com a presenta do guionista Víctor Mora, de Francisco Ibañez autor de Mortadelo y Filemón e da esposa de Mora, a señora Armonía Rodríguez autora de EL GRAN LIBRO DE EL CAPITÁN TRUENO acerca do qual correram rios de tinta.

Ao mesmo tempo, trabalha-se noutra homenagem a cargo da Asociación Cultural Andaluza Colectivo De Tebeos (com direcção do incansável Diego Cara) que tem prevista a publicação de um catálogo numerado de 1 a 300 (será uma obra muito cuida), para além de outros 50 exemplares que serão entregues a um grupo de autores (entre os quais me encontro) que criaram um desenho com a sua versão do citado herói.

Quando se fala de Capitán Trueno (Capitão Trovão), é obrigatório falar de Ambrós, o desenhador que lhe deu vida e o manteve em cena durante muitos anos, período que os especialistas consideram o melhor da série (que sobreviveu, com um punhado de outros autores, entre 15 a 20, depois de Ambrós, farto de sofrer a tirania que a editora exercia sobre ele, ter proclamado a estafada frase até aqui, chegámos!.

Miguel Ambrosio Zaragoza Ambrós nasceu em Albuixech (Valência - Espanha) a 31 de Agosto de 1912 embora outras fontes refiram 1913.

Desde muito jovem demonstrou muito interesse pelo desenho (recorda que quando era um garoto que mal caminhava, já sujava com carvão as paredes de sua casa). Perante isso. O seu pai matriculou-o, aos 13 anos, na Academia de Desenho San Carlos, que frequentou durante algum tempo. Mas não conseguiu entusiasmar a familia nem os professores, o que levou o seu pai - que não previa que o filho pudesse ganhar a vida a desenhar - a recomendar-lhe que tirasse um curso de magistério, coisa que fez. E exerceu como professor, até à chegada da guerra civil, altura em que se alistou no exército republicano.

Uma vez acabada a guerra, por motivos políticos e por falta de motivação, não quis continuar com o ensino, preferindo integrar-se na equipa familiar que se dedicava à agricultura, actividade que exerceu durante seis ou sete anos.

Com o passar do tempo, acabaria por lamentar-se, já que, pensava ele, se sempre havia gostado de desenhar, deveria ter-se dedicado a isso desde o primeiro momento.

Considerava que, por não ter feito assim, havia perdido metade da sua vida em actividades que não granjearam proveito, nem à sua pessoa nem a ninguém.

Mais tarde, por volta de 1944, desfolhando umas revistas de El Guerrero del Antifaz que eram do seu irmão mais pequeno, sentiu que continuava a gostar de desenho, pelo que preparou uma história de banda desenhada de índios e cowboys ao estilo da época (com capa a cores e tudo) e com ela debaixo do braço marchou ao encontro do sr. Juan B. Puerto, dono de la Editorial Valenciana, que ao ver aquilo lhe pediu que criasse algunas histórias de tipo humorístico, coisa que Ambrós (então Ambrósio, como inicialmente assinava) fez e conseguiu que fossem publicadas.

Como, segundo ele, não sabia desenhar, propuseram-lhe que ficasse na editora como legendista. Acerca disso, o próprio Ambrós conta um episódio que se passou com o desenhador Grau, que um dia se lhe apresentou e disse: Estes da Editorial Valenciana sempre a colocar dificuldades em publicar coisas às pessoas e repara no que acabam de editar.Grau ficou muito encavacado quando o próprio Ambrósio lhe disse que aqueles desenhos infames eram seus. E para o tirar do embaraço, acrescentou que aqueles desenhos não só eram infames, como eram um desastre.

Passados dois anos e visto que os seus acordos com a Editorial Valenciana não se viam coroados com o êxito que esperava, Ambrós com trezentas pesetas no bolso e 33 anos de idade foi à conquista de Barcelona. Uma vez ali, ilustrou uma história intitulada Dois Yanquis em África e com ela foi à Editorial Hispanoamericana onde não elogiaram o seu trabalho.

Mas ele não desistiu. Foi à Editorial Bergis, para quem acabou por fazer um par de revistas que não lhe pagaram. De seguida, foi mostrar as suas coisas na Gerplá, a editora que naquela altura publicava Florita y El Coyote, onde encontrou uma boa pessoa, o senhor D’Oc, que não lhe deu demasiados ânimos ao mesmo tempo que lhe dizia que com 33/34 anos e com tanto desaire em cima, lhe iria ser difícil viver do desenho. Mesmo assim, convidou-o a ir a sua casa aonde acorriam vários desenhadores que o orientaram e encorajaram a ir visitar as editoras Ayné e Grafidea (que necessitavam de desenhadores), coisa que fez. Ayné aceitou-lhe umas historietas cómica para a para a revista Chispa. Com a Editorial Grafidea, foi melhor; pode dizer-se que encontrou ali a mudança da sua vida. Estavam a necessitar de um desenhador para realizar uma série intitulada El Caballero Fantasma cujo guionista era também valenciano, Federico Amorós, um dos maiores do momento. Não sabemos por que motivo, mas a verdade é que o encarregaram de ilustrar o guião escrito pelo citado Amorós (com enfado não dissimulado deste, que se queixava de que lhe havia juntado um principiante) sobre a dita personagem, inspirada no Zorro. Fez uma primeira revista, entregou os originais e começou a preparar uma segunda, que depois de pronta levou à editora, convencido de que seria a última tarefa que lhe entregavam, mas, para sorte sua, disseram-lhe que continuasse, pois o primeiro número publicado tinha sido um êxito. Ambrós que seguramente os seus desenhos não eram bons, mas tinham muita vida e sem dúvida por isso tinham agradado aos jovens.

Continuou com esta personagem até que não demoraram a comunicar-lhe que teria de o abandonar, visto que a Editorial Saturno tinha antes publicado uma BD com esse título desenhada por Sangar e com guião de Alcañiz.

Teve de matar o Caballero Fantasma criando em seu lugar El Jinete Fantasma (acompañado de Crispín um rapaz que desejava vingar o seu patrão) que ainda se vendeu melhor. Decorria o ano de 1947. Dessa série publicaram-se 164 números que com a assinatura de Ambrósio. Depois continuou até 1955 desenhando as aventuras de Chispita, que era filho do anterior.

Ambos acreditava que naquele período da Grafidea tinha aprendido a desenhar de verdade mas cansou-se deles, entre outras coisas porque o dinheiro que ganhava não era suficiente para viver. E contactou a Editorial Bruguera para a qual começou a ilustrar a colecção La nave del Tiempo com guiões de Vidal Sales, de que se publicaram 10 revistas, em suplemento de Pulgarcito. E para a mesma editora ilustrou livros de aventuras, entre eles Los Tres Mosqueteros e passado algum tempo, puseram-lhe nas mãos (parece que por sugestão do guionista) a personagem que o catapultou à glória: o mítico Capitán Trueno (Capitão Trovão, em Portugal), baseado num guião que havia sido escrito pelo guionista Víctor Mora inspirado no Príncipe Valente de Harold Foster.

Guionista e desenhador puseram mãos à obra e, em 14 de Maio de 1956, apareceu nas bancas a primeira banda desenhada da colecção Dan que levava o título ¡A sangre y Fuego!.

A série foi um êxito desde os primeiros números, tendo chegado a tiragens de 350.000 exemplares, números nunca conhecidos até essa data. Tal êxito levou a Editorial Bruguera a converter em semanal a periodicidade das edições, que até aí eram quinzenais, sem nenhum tipo de piedade para com o autor, que era submetido a um diabólico ritmo de trabalho, que o mantinha numa constante tensão que não conseguia diminuir nem com a ajuda do desenhador Beaumont que se encarregava de passar a tinta o desenho a lápis de Miguel Ambrósio (que quando o realizava todo, utilizava pincel).
Manteve-se assim uns tempos, mas aconomicamente acabava por não lhe compensar, até que Ambrós disse Basta! e em 1960 poisou a caneta abandonando a Banda Desenhada depois de ter realizado o nº 175 da série de Trueno. A editora viu-se obrigada a contratar outros desenhadores. Ao longo do tempo, essa tarefa foi desenvolvida por cerca de 20 profissionais. Que certamente fizeram o que puderam e um pouco mais, mas não conseguiram alcançar o grau de aceitação que teve o trabalho de Ambrós, que todos consideram a melhor etapa de Capitão Trovão.

Com parte do dinheiro ganho, Ambrós fez as malas e foi até Paris, com a intenção de triunfar em França como pintor. Mas não demorou em compreender que o que pretendia não era fácil (além de que a vida de um emigrante era duríssima e carregada de uma solidão insuportável.

Assim, com menos trocos do que os que levara, regressou em 1964 de novo a Espanha, a Barcelona, onde esteve bastante tempo sem fazer nada, porque entrava em pânico só de pensar em regressar ao desenho, mas sabia que teria de viver e voltou à Editorial Bruguera onde, depois de afastar a hipótese de continuar com o Capitán Trueno, cujas vendas estavam a baixar, aceitou desenhar episódios para a Colección Historias (Rin Tin Tin e Tarzán) e ilustrou novelas gráficas que a editora publicava. Mais tarde, em Setembro aceitou desenhar de novo aventuras de El Capitán Trueno que apareceram apenas em três números de uma edição Trueno Extra. Também desenhou um par de bandas desenhadas de Billy The Kid para o Reino Unido.

Em 1965 Ambrós deixa de novo a Editorial Bruguera porque se sente mal tratado; cada vez lhe dão menos trabalho e ainda por cima mal pago e desagradável, pelo que decide - depois de tantos anos - regresar à Editorial Valenciana para quêm realiza um bom número de trabalhos, principalmente com guiões de Federico Amorós e Pedro Quesada que se publicaram nas revistas Roberto e Pedrín Extra e Jaimito. Já em 1968 e juntamente com Quesada e Amorós criaram o semanário Héroes del Deporte e a revista de western Los Colonos; esta colaboração durou até 1971.

A pesar de tudo voltou nesse ano à Bruguera para dar vida a El Corsario de Hierro, uma nova personagem criada pelo guionista Víctor Mora, com que se sentiu muito satisfeito, e que se publicou na revista Mortadelo. Esta nova série também alcançou um grande êxito que durou até 1981, altura em que Ambrós decide retirar-se. Dizia que estava nos setenta anos e que se sentia muito cansado, pelo que ia abandonar tudo.
En 1983 abre uma excepção para desenhar uma só aventura de El Capitán Trueno, expresamente para la Historia de los Cómics editada pela Editorial Toutain. Em 1987 realiza as capas e pósteres para novos episódios desta personagem que publicou Planeta De Agostini.

Em 1986 recebe o primeiro prémio HAXTUR para o autor que mais amamos.

Em 1989 o Salón del Cómic de Barcelona concede-lhe o Grande Prémio pelo conjunto de sua obra.

Acerca do trabalho de Ambrós, têm havido muitas opiniões, umas mais favoráveis e outras menos, inclusivamente há um momento da sua vida em que lhe disseram que todos o consideram o melhor desenhador español de banda desenhada e ele, muito humildemente, contestou que não, mas por outro lado sim, aceitava, que os seus desenhos tinham toda a vida do mundo, que é o que apreciam os jovens, para quem verdadeiramente desenhava. Víctor Mora disse dele em 1991 que era o melhor desenhador de BD e quem melhor tinha interpretado o que ele pretendia dizer. Outros acrescentaram que Miguel Ambrosio apesar dos seus muitos anos mantinha perfectamente vigentes todas a qualidades e atractivos da sua forma de desenhar, que lhe garantiram um lugar entre os grandes da BD de todos os tempos.

Ambrós, por pressões das editoras, submeteu o seu corpo a um endiabrado ritmo de trabalho, o que, juntamente com a sua grande afeição ao tabaco, afectou o seu coração, ao ponto de enfraquecer a sua saúde, que com o passar do tempo se foi requebrando mais e mais. Até que, a 30 de Septiembre de 1992, deixou de existir Miguel Ambrosio Zaragoza, mais conhecido por Ambrós, considerado um dos desenhadores espanhóis com mais aceitação no mundo da Banda Desenhada. Os que amamos esta profissão ( a de desnehador) e os que amamos e temos amado a BD/comic, sempre o teremos em nosso pensamento.

Valência, Maio de 2006

1 comentário:

Anónimo disse...

El Jabato....¿ También de Ambrós?