domingo, janeiro 20, 2008

Próximo dia 26, lançamento de 2ª edição
Wanya, 30 anos depois
Uma das mais importantes Bandas Desenhadas portuguesas dos anos 70, criada pelos leirienses Nelson Dias (desenhos)e Augusto Mota (texto), vai ser lançada no próximo dia 26 em Lisboa.
A capa acima é da primeira edição (Assírio & Alvim), enquanto que a segunda edição é da Gradiva.
Em brave daremos mais pormenores acerca do lançamento.

Infelizmente, Nelson Dias já não está entre nós.
Quanto a Augusto Mota, transcrevemos a seguir um texto assinado no Região de Leiria em 2000 pelo coordenador de 'Buraco da Fechadura'

As mil artes de Augusto Mota, que cria para o público, não para exposições
Ensinar tudo a toda a gente



Texto de José Oliveira*
Há mais de 30 anos, Augusto Mota dizia assim numa entrevista dada ao “Jornal de Notícias”: “Cada artista devia – utopicamente devia – ensinar tudo e a toda a gente. As escolas, as fábricas, as oficinas, deviam ser orientadas por um gosto novo e consciente. Tudo como está me parece desencontrado.”E, muitas linhas abaixo, respondia que “o mural é a forma mais útil de participação na comunidade, a mais responsável. (…). Será, sobretudo, a forma menos egoísta de realização artística, se não se trair a sua função popular e o deixarmos estar no jardim, na escola, na gare, na praia, na fábrica, no café, no cinema, na igreja, em todos os sítios onde a vista não tenha reservado o direito de admissão.”Se bem o disse, melhor o fez. Na Escola Domingos Sequeira, onde foi professor de inglês, o artista plástico Augusto Mota deixou um grande trabalho seu em espaço público, colocado bastante tempo antes de se aposentar.Para uma das paredes do desaparecido Café Colipo, pintou uma gigante “Lenda do Lis e Lena” que está hoje armazenada algures, com mazelas difíceis de recuperar.Para as instalações da antiga “Carvalho & Catarro”, concebeu “As conquistas da Ciência”, um painel de quatro metros cujo paradeiro desconhece.Quase do mesmo tamanho, eram dois trabalhos que decoravam as paredes dos Supermercados Ulmar. “Foram assassinados”, lamenta hoje Augusto Mota. Uma parte da sua superfície está escondida por prateleiras; e o resto foi coberto por tinta plástica. Serão recuperáveis? “Talvez…” – diz Augusto Mota com grandes reticências. “É mais importante a intervenção artística nos espaços públicos do que nas galerias”, teima Mota em repetir, não obstante os desaires relatados. E foi com essa preocupação social que, quando jovem, se juntou a Miguel Franco, Guilherme Valente e Rui Branco, com Álvaro Morna a fazer uma perninha, para publicarem regularmente o “Pinhal Novo”, suplemento cultural do REGIÃO DE LEIRIA. E – parece mentira! – pagavam, dos seus próprios bolsos, 500 escudos para a inserção de cada edição neste semanário.Cultor de solidariedades, Augusto Mota participou, nos idos de 60, noutra experiência de grupo: uma mostra colectiva de poesia ilustrada através da qual um grupo de jovens intelectuais leirienses levou as suas preocupações sociais a expôr em Leiria, Marinha Grande e Monte Real. A única frase que recorda, das que ficaram registadas no livro de honra, dizia assim: “Mereciam ir todos presos”.Outro sinal da repressão sufocante que foi contemporânea da juventude de Augusto Mota, foi a apreensão dos exemplares da revista “Gafanhoto”, um periódico de banda desenhada que custava cinco tostões na Papelaria Vital, no edifício do Mercado de Santana, no sítio onde ainda há poucos anos existia um talho. O miúdo Augusto, que assistiu à cena de olhos arregalados, teve dificuldade em perceber porque é que aquele senhor, afinal um polícia à paisana, não deixava que uma tão inofensiva revista se vendesse. E a surpresa da criança não ficou mais pequena, quando lhe explicaram que… a culpa era do Cuto, um garoto traquinas cujo desenhador, Jesus Blasco, fazia viver aventuras demasiado rebeldes para uma época em que todas as actividades e leituras dos adolescentes não podiam desviar-se dos domesticantes parâmetros da Mocidade Portuguesa.Talvez tenham sido estas proibições aquilo que desencadeou em Augusto Mota um fascínio muito especial pela banda desenhada, que culminaria com a sua participação, como argumentista, na elaboração de “Wanya – Escala em Orongo”. Editado em 1973, foi um álbum de sucesso, que chegou a ser traduzido para a Alemanha.Porém, já dez anos antes Augusto Mota se aventurara noutro empreendimento: o do desenho animado. “Variações sobre o mesmo Traço” foi uma experiência concebida mediante técnicas muito pessoais, que lhe granjeariam uma meia dúzia de prémios, incluindo dois primeiros: num concurso de cinema de amadores da Figueira da Foz e no Primeiro Festival Nacional de Cinema de Amadores de Guimarães.Para realização pessoal, criou outros filmes que guarda para si. Alguns foram realizados de parceria com o conhecido poeta Alberto Pimenta, seu colega de curso em Coimbra. Aliás, os primeiros quatro livros de Alberto Pimenta possuem assinatura de Augusto Mota. Como tantos outros, dos mais diversos autores. E como os livros de todos os autores, que o leitor porventura adquira na Livraria Martins. Quer dizer: são de sua autoria, os desenhos das sobre-capas que a livraria oferece. …E encerramos com a frustração de ter deixado muito por dizer. Das incursões de Augusto Mota pela escrita, da sua intensa actividade como gravador de linólio, madeira, serigrafia, da sua componente humanística colocada ao serviço da população da sua Ortigosa, do seu culto pelas plantas, bem evidenciado no seu desafogado jardim, onde todas as espécies estão identificadas…Vejam lá, que até o nosso propósito inicial ficou no tinteiro! Que era destacar o pioneirismo de Augusto Mota nas artes gráficas leirienses. Os seus cartazes, que muita gente tem visto e pouca tem identificado o autor… Os seus logotipos criados para as mais diversas empresas ou instituições… Os seus estudos para caixas de tomates, tampos de sanita, copos, óculos, camisas, pão de ló…


*Este texto e foto foram publicados no Região de Leiria em 2 de Setembro de 2000, assinados por "José Freire de Oliveira". A utilização do nome completo do autor (e coordenador do Buraco da Fechadura) era uma exigência da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com a alegação de que já existia uma carteira emitida com esse nome, para um fotógrafo que assinava profissionalmente "José Oliveira". A situação foi ultrapassada na revalidação seguinte da carteira, mercê da declaração do fotógrafo homónimo que amavelmente declarou que não publica textos, ao mesmo tempo que o coordenador do 'Buraco' declarava que não assina fotos.

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